quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Dissabores inquietos

Gostava de poder gritar ao mundo
E ser ouvida!
Sem sentir a frieza,
Da pobreza da vida...
Gostava que o silêncio fosse quietude
E calma…
Nesse tumulto de zombies
E gente sem alma!

Gostava de poder deitar-me,
Sem pensar no amanhã.
Mas apenas na inércia do corpo deitado,
Ou apenas em nada…
Ser apenas esse corpo, sossegado,
Que deambula na cama, sem o querer.

Que importam os furacões alheios,
Se aqui tudo jaz em prazia ociosidade?
Nada mais é repleto de bem-estar
E de amena prosperidade,
Do que simplesmente, deixar estar…

Oh, alma pobre, de que te velas?
Não anda à chuva o pobre idoso,
Naquelas tristes e frias ruelas?
E tu corres ao lado sem o ver…

É mais fácil adormecer…
O que se segue é uma incógnita,
E não a pretendo conhecer.

Quero apenas estar…
No torpor da existência
E jamais confrontar
Essa tua ou minha essência…

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

A minha tradução do amor de Miguel Esteves Cardoso


Poderíamos definir várias concepções de amor…
E talvez todas elas partilhem de algo muito em comum…
Embora completamente diferentes…

Há um amor único, talvez esse amor de que Miguel Esteves Cardoso quis falar…
Sim, esse amor único,
inesquecível,
incomparável,
quase indefinível
(difícil tarefa esta).

Esse amor visceral, que nos faz bater depressa o coração…
As pernas, as mãos, a voz, tremerem…
Sem conseguirmos explicar a razão de tal fenómeno…
Tudo fica incontrolável!

O sorriso facilmente brota da nossa face, sem sequer darmos conta…
E sabe incrivelmente como nenhum outro sorriso esboçado!

Todo o universo parece reunir-se num único espaço,
com a beleza de quando olhamos para estrelas, por um telescópio…

Conseguimos sentir-lhe o respirar
e o corpo quase paralisa…

Sentem-se contracções involuntárias
de uma dor, misturada com um doce e delicado prazer…
Do qual o sabor é inconfundível!

Este amor do qual a intensidade não se consegue medir…
É o amor do momento, aquele momento…

Esse momento que faz esquecer todos e quaisquer outros…
que os tornam insignificantes…
tão insignificantes naquele instante soberbo e grandioso!

Aquele amor que faz iluminar o mundo, em poucos segundos!
Porque só ele faz sentir vivo o nosso corpo!

Naquele momento, toda a existência adquire significado…
O significado de estar ali,
de sentir,
de olhar,
de sorrir,
de respirar,
de ouvir…

Esse amor que alimenta por si só…
e que te embriaga…

Nada mais importa!

Aquela serenidade da paz interior repleta de calafrios...
É ténue, fugaz e queres saboreá-la…

O pensamento não existe! Ele voltará…

Que importa o amanhã, se hoje temos o mundo e a vida?
Se hoje a alegria inebria e torna o dia colorido?
Se hoje a vida vale a pena?

Este é o amor de Miguel Esteves Cardoso!

Só quem o sentiu o reconhece…

Mas para conservar a sua beleza,
ele deve permanecer sempre,
Apenas,
Naquele momento,
único!


"Eu prefiro tê-la beijado uma vez, tê-la abraçado uma vez,
tê-la tocado uma vez do que passar a eternidade sem isso."

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Elogio ao amor (texto enviado por uma amiga)

"Há coisas que não são para se perceberem. Esta é uma delas. Tenho uma coisa para dizer e não sei como hei-de dizê-la. Muito do que se segue pode ser, por isso, incompreensível. A culpa é minha. O que for incompreensível não é mesmo para se perceber. Não é por falta de clareza. Serei muito claro. Eu próprio percebo pouco do que tenho para dizer. Mas tenho de dizê-lo.

O que quero é fazer o elogio do amor puro. Parece-me que já ninguém se apaixona de verdade. Já ninguém quer viver um amor impossível. Já ninguém aceita amar sem uma razão. Hoje as pessoas apaixonam-se por uma questão de prática. Porque dá jeito. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.

Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios.Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões. O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível. O amor tornou-se uma questão prática. O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas.

Eu quero fazer o elogio do amor puro, do amor cego, do amor estúpido, do amor doente, do único amor verdadeiro que há,estou farto de conversas, farto de compreensões, farto de conveniências de serviço. Nunca vi namorados tão embrutecidos, tão cobardes e tão comodistas como os de hoje.Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, são uma raça de telefoneiros e capangas de cantina, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos, bananóides, borra-botas, matadores do romance, romanticidas. Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?

O amor é uma coisa, a vida é outra. O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida,o nosso "dá lá um jeitinho sentimental". Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos. Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade. Amor é amor. É essa beleza. É esse perigo. O nosso amor não é para nos compreender, não é para nos ajudar, não é para nos fazer felizes. Tanto pode como não pode. Tanto faz. É uma questão de azar.

O nosso amor não é para nos amar, para nos levar de repente ao céu, a tempo ainda de apanhar um bocadinho de inferno aberto. O amor é uma coisa, a vida é outra. A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina. O amor puro não é um meio,não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente. O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende.

O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser. O amor é uma coisa, a vida é outra. A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida. A vida que se lixe.Num momento, num olhar, o coração apanha-se para sempre. Ama-se alguém. Por muito longe, por muito difícil, por muito desesperadamente. O coração guarda o que se nos escapa das mãos. E durante o dia e durante a vida, quando não esta lá quem se ama, não é ela que nos acompanha - é o nosso amor, o amor que se lhe tem. Não é para perceber. É sinal de amor puro não se perceber, amar e não se ter, querer e não guardar a esperança, doer sem ficar magoado,viver sozinho, triste, mas mais acompanhado de quem vive feliz. Não se pode ceder. Não se pode resistir. A vida é uma coisa, o amor é outra. A vida dura a Vida inteira, o amor não. Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."


(Miguel Esteves Cardoso)

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Ausência de melodia


Poderiam ter-se soltado sons

Algo confusos… um pouco entediantes

Ou então, melodias reconfortantes,

Dos lábios afogueados que sorriam…


Apenas ressoaram brumosos ruídos,

De pequenas notas desconcertadas,

De muitos sopros fracos e sumidos

E daquelas pausas mal colocadas.


A melodia ficou encarcerada

Nas mãos que não sabiam tocar harpa.

O vidro de cristal estalidou

E o silêncio, por fim, predominou…

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O surreal


O que será do existente entre as palavras

Soltas no tempo e no espaço, intercotado

Por outras, que ficaram escondidas?

O que será do irreal desconhecido,

Que se submete ao concreto das vidas

Que mais não são que realidades perdidas,

Nesse tempo e espaço contingentado?


Não existe sonho para além da realidade,

Nem realidade para além da fantasia!

Existe apenas um ...

Um nada perdido no vazio da (in)verdade

Um tudo alcançado num quimérico dia.


Se dia se conceptualiza,

Se real existe e se concebe,

Se tempo se operacionaliza,

Se o surreal não é tudo o que se bebe...

Na eterna vivência de meras passagens,

De recordações e sensações corporais

Únicas! E nunca duas vezes iguais...

Únicas! E nunca por dois vividas...


FG